Podia escrever histórias sobre as minhas viagens de autocarro ( chamemos-lhe BUS que é mais curto).
Podia escrever sobre os "meus colegas de BUS", porque há meia dúzia que quase todos os dias partilham o BUS comigo. Sempre os mesmos. Podia contar mil e uma coisas sobre eles. Inventar-lhes nomes e criar-lhes uma história de vida, baseada só dos 20 ou 30 minutos de partilha do mesmo BUS.
Mas vou escrever sobre a senhora que já partilhou um amarelinho da Carris comigo duas vezes e que já vi no Centro Comercial onde trabalho.
Uma senhora idosa, de begala, cabelo tapado por um lenço que cheira a queijo e deixa esse cheiro espalhado no amarelinho.
Lembro-me da primeira vez que ela partilhou o Bus comigo, e lembro-me de sentir um odor estranho, semelhante a queijo mas que também não o é, e depois perceber que vinha dela.
Lembro-me da segunda vez em que o cheiro era tão intenso que as pessoas a seu redor tinham de tapar a cara para não se intoxicarem com o odor que dela vinha.
E lembro-me de ir almoçar ao Centro na companhia da minha gerente e de olharmos para a praça gigante que estava por baixo de nós e começarmos a falar das pessoas, na sua maioria idosos, que passam o dia no Centro Comercial sentados nos sofás à espera que o tempo passe - talvez porque ali está quentinho ou talvez porque ali, no meio da multidão se sentem menos sozinhos - e de conseguir identificar essa senhora sentada num sofá, a senhora que cheira a queijo.
Contei sobre o seu cheiro à minha gerente ao que ela me respondeu: " Pois, há muita gente que não tem condições para cuidar da sua higiene. Não têm banheira, ou até mesmo água."
Hoje à vinda para casa vi a senhora do cheiro a queijo. Vinha entretida a ler quando me apercebi que se passava algo à entrada do BUS. Levantei os olhos e vi a senhora ao mesmo tempo que ouço A motorista dizer: " Não a posso deixar entrar. Vai deixar ficar aqui um mau cheiro que vai incomodar as outras pessoas."
Foi negada a entrada da senhora no BUS.
Não me recordo, das duas vezes em que partilhei BUS com ela, de haver problemas com a questão do bilhete, portanto suponho que a senhora compre bilhete ou tenha passe válido.
Existe o regulamento de utilização dos transportes colectivos, que diz que pode ser negada a entrada nestes a pessoas:
1- em estado de embriaguez;
2- que sejam portadores de doenças que possam causar repulsa ou contagiar os restantes passageiros;
3- que, pela sua sujidade ou trajo, possam incomodar ou prejudicar os outros passageiros;
4- que transportem objectos perigosos ou armas de jogo carregadas não sendo agentes de autoridade.
Certo.
Mas também diz:
Aos passageiros de transportes colectivos é proibido:
a) Viajar sem se munir do título válido ou ultrapassar a paragem para que aquele tem validade sem pagar um bilhete suplementar;
(...)
e) Abrir ou manter abertas as janelas quando haja justificada oposição de outros passageiros;
f ) Pendurar-se em qualquer parte dos veículos ou seus acessórios ou debruçar-se dos mesmos durante a marcha;
g) Arremessar dos veículos detritos ou quaisquer objectos que possam causar dano;
h) Utilizar aparelhos T.S.F. ou fazer barulho de forma a incomodar os restantes passageiros;
(...)
E já vi muito disto acontecer.
Há gente que não tem condições. E quero acreditar que aquela senhora não tem quem olhe por ela, e que provavelmente não tenha condições para tratar da sua higiene. Ou se calhar produz queijo em casa e não consegue por mais que queria livrar-se daquele cheiro.
Mas se a senhora está a dar dinheiro a uma empreda de transportes, como pode esta negar-lhe o serviço?
Agora...há por aí muito inergume que acha que Kizomba às 7 da manhã é muita nice e decide que toda a gente deve ouvir no caminho para o trabalho porque:
" A felicidade, todos nós queremos, a felicidade...." ( carregar ali na felicidade para ouvir o Rei do Kuduro)
Poupem-me!
Gostei do texto é como diz Aline, da Cidade das pirâmides, "Ser feliz fazendo o que gosta, respeitando o direito do outro". Veja www.deolhonomundo.com
ResponderEliminarAbraços