segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Ele há dias em que me sinto assim...


"Luísa sobe, sobe a calçada, sobe e não pode que vai cansada. Sobe, Luísa, Luísa, sobe, sobe que sobe, sobe a calçada. Saiu de casa de madrugada; regressa a casa é já noite fechada. Na mão grosseira, de pele queimada, leva a lancheira desengonçada. Anda Luísa, Luísa sobe, sobe que sobe, sobe a calçada. Luísa é nova, desenxovalhada, tem perna gorda, bem torneada. Ferve lhe o sangue de afogueada; saltam lhe os peitos na caminhada. Anda Luísa, Luísa sobe, sobe que sobe, sobe a calçada. Passam magalas, rapaziada, palpam lhe as coxas, não dá por nada. Anda Luísa, Luísa sobe, sobe que sobe, sobe a calçada. Chegou a casa não disse nada. Pegou na filha, deu lhe a mamada; bebeu a sopa numa golada; lavou a loiça, varreu a escada; deu jeito à casa desarranjada; coseu a roupa já remendada; despiu se à pressa, desinteressada; caiu na cama de uma assentada; chegou o homem, viu a deitada; serviu se dela, não deu por nada. Anda Luísa, Luísa sobe, sobe que sobe, sobe a calçada. Na manhã débil sem alvorada, salta da cama, desembestada; puxa da filha, dá lhe a mamada; veste se à pressa, desengonçada; anda, ciranda, desaustinada; range o soalho a cada passada; salta para a rua, corre açodada, galga o passeio, desce a calçada, chega à oficina à hora marcada, puxa que puxa, larga que larga, puxa que puxa, larga que larga, puxa que puxa, larga que larga, puxa que puxa, larga que larga; toca a sineta na hora aprazada, corre à cantina volta à toada, puxa que puxa, larga que larga, puxa que puxa, larga que larga, puxa que puxa, larga que larga. Regressa a casa é já noite fechada. Luísa arqueija pela calçada. Anda Luísa, Luísa sobe, sobe que sobe, sobe a calçada, sobe que sobe, sobe a calçada, sobe que sobe, sobe a calçada. Anda Luísa, Luísa sobe, sobe que sobe, sobe a calçada."

António Gedeão

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